Falso médico procurado por homicídios de pacientes já foi condenado por carregar distintivo da Polícia Civil, algemas e munição
23/06/2025
(Foto: Reprodução) Em 2009, PM encontrou insígnia policial, par de algemas, 23 munições de pistola, dois carregadores e revólver de pressão com Fernando Henrique. Em 2011, ele passou a atuar ilegalmente como médico e se tornou réu por duas mortes. Em 2025, forjou a própria morte. Fernando Henrique Dardis trabalhou como falso médico em hospital e também é suspeito de forjar a própria morte e sepultamento; Justiça decretou sua prisão e ele é procurado
Reprodução/TV Globo
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Fernando Henrique Dardis, o falso médico que está foragido e é procurado sob a acusação de ter matado duas pacientes e ainda ser suspeito de forjar a própria morte e o seu sepultamento, já foi condenado pela Justiça do estado de São Paulo por carregar um distintivo da Polícia Civil, algemas e munição.
O Fantástico revelou no domingo (22) alguns dos casos e as acusações que envolvem Fernando Henrique. Até 2019, ele usava o sobrenome Guerreiro, mas depois conseguiu autorização para assinar Dardis, que herdou do pai biológico.
Foi como Fernando Henrique Guerreiro que, anos antes, em 2009, ele foi abordado e flagrado pela Polícia Militar (PM) em Guarulhos, na região metropolitana, transportando material bélico de uso restrito. A reportagem não conseguiu localizar a defesa dele para comentar esse caso.
Naquela ocasião, os agentes encontraram uma mochila no porta-malas do carro dele, com uma insígnia policial, um par de algemas, 23 munições de pistola calibre 380 milímetros, dois carregadores, um revólver de pressão e "chumbinhos" (projéteis geralmente feitos de chumbo projetados para serem disparados por arma de ar comprimido ou mola).
Ao ser questionado, Fernando alegou que havia encontrado a mochila com os itens e que a entregaria numa delegacia de Guarulhos, o 2º Distrito Policial (DP), por orientação de um policial civil.
Um policial militar à paisana, amigo de Fernando, e que estava com ele no automóvel, foi ouvido como testemunha e disse desconhecer o que era transportado.
O Ministério Público (MP) suspeitou da versão dada por Fernando, que ao invés de ir ao DP tinha ido antes com amigos a uma casa noturna e numa comunidade. Diante disso, a Promotoria o denunciou por porte ilegal de armamento, que pune quem porta, detém e ou adquire material como munição de uso permitido, mas sem autorização e em desacordo com a lei.
Em 2012, a Justiça condenou Fernando a dois anos de reclusão em regime aberto pelo crime. A pena foi substituída por prestação de serviços à comunidade e proibição dele sair aos finais de semana durante o tempo pelo qual foi condenado.
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A Secretaria da Segurança Pública (SSP) foi procurada pela equipe de reportagem para comentar o assunto e informar se a Polícia Civil abriu ou vai abrir um inquérito para apurar se Fernando também fingia ser agente policial. Assim que a pasta responder, o seu posicionamento será incluído.
De acordo com o MP, foi em 2011 que Fernando deixou Guarulhos, onde vivia com a família, para trabalhar como falso médico na Santa Casa de Sorocaba, no interior paulista. Ele, que chegou a cursar faculdade de medicina, mas nunca concluiu, foi contratado com diploma que pegou de um professor e que conseguiu falsificar.
Naquele ano e em 2012, Fernando atendeu diversos pacientes, entre eles duas mulheres que morreram após tomarem remédios prescritos nas consultas. Uma delas foi Helena Rodrigues, que teve um infarto. A outra vítima acabou sendo Therezinha Monticelli Calvim, que, segundo a acusação morreu na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) porque o falso médico não soube dar o encaminhamento correto a ela.
Ele também foi acusado de causar ferimentos em outras pessoas que passaram por ele no hospital. Mais de 20 vítimas ou parentes delas procuraram o Ministério Público para relatar as queixas.
Por causa desses atendimentos ilegais, Fernando foi desmascarado e acabou acusado pelo Ministério Público por dois homicídios por dolo eventual (quando se assume o risco de matar) e outros casos de lesões. Algumas das vítimas pedem indenizações por danos morais e materiais.
Até então, Fernando respondia a esses processos em liberdade. Em janeiro deste ano, a defesa dele informou que o réu não poderia comparecer a um dos julgamentos porque havia morrido no dia 5. E entregou o atestado de óbito em nome de Fernando Henrique Dardis.
Segundo as informações da defesa dele à época, Fernando foi enterrado no dia 6 de janeiro no Cemitério Municipal do Campo Santo em Guarulhos. Posteriormente, quando ele foi atualizar seu registro num cartório da cidade, a farsa foi descoberta.
Ao saber da fraude, o promotor Antônio Domingues Farto Neto pediu a Justiça a prisão preventiva dele. Ela foi decretada em 20 de maio. Desde então, Fernando é considerado foragido.
"Ele foi contratado com diploma falso e exercia todo o dia a medicina como se médico fosse", disse o promotor ao Fantástico. O MP suspeita que policiais que trabalham em Guarulhos possam estar ajudando Fernando a se esconder.
De acordo com Antônio, existe a possibilidade de o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do MP de Guarulhos participar das investigações sobre o caso do falso médico porque há suspeita do envolvimento de mais pessoas no esquema criminoso.
“Diversos documentos médicos podem ter sido fraudados para conseguir um velório e um sepultamento. A maior parte dos crimes provavelmente ocorreram na comarca de Guarulhos, por isso o MP não descarta a intervenção do Gaeco. Há suspeita de fraudes no próprio hospital de propriedade da família para evitar indenizações das vítimas que ele matou”, disse o promotor nesta segunda-feira (23) ao g1.
O hospital da família de Fernando é o Brás Cubas, em Guarulhos. O Fantástico recebeu uma nota da empresa Med-Tour, que não aparece como sócia do Brás Cubas, mas é de propriedade da família de Fernando. Ela informa que os proprietários receberam com surpresa a notícia narrada pela reportagem e negam envolvimento em qualquer irregularidade.
Procurada pelo g1 para comentar o assunto, o Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp) informou por meio de um comunicado que irá apurar o caso do falso médico que atendia pacientes em hospital.
"O Cremesp informa que realizou protocolo sobre o caso envolvendo Fernando Henrique Guerrero e irá instaurar uma sindicância para checar os fatos. Conforme consulta pública ao Guia Médico no site do Cremesp/CFM, não foi encontrado nenhum registro com o nome do referido", informa a nota do órgão.
Procurada, a Secretaria da Segurança Pública respondeu que as operações policiais para localizar e prender Fernando estão em curso e que os detalhes serão preservados até a sua eventual captura.
"A Polícia Civil atua para cumprir o mandado de prisão preventiva expedido contra o referido suspeito. Todas as circunstâncias do caso são rigorosamente apuradas. Em virtude do sigilo judicial, mais informações serão preservadas", informa nota da pasta da Segurança.
Quem tiver informações sobre o paradeiro de Fernando pode telefonar para o número 181 do Disque-Denúncia. Não é preciso se identificar.
Questionada pela reportagem, a prefeitura de Guarulhos, responsável pelo cemitério, informou que "foi pedida a abertura de uma sindicância para apurar as denúncias" e que irá punir eventuais funcionários que estejam envolvidos na farsa.
Segundo quem trabalha no cemitério, um corpo foi enterrado no jazigo que, antes da fraude, constava com o nome de Fernando. O Ministério Público deverá pedir que uma investigação policial seja feita para que possa ocorrer uma exumação na sepultura para saber a verdadeira identidade do corpo que está lá.
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O advogado Felipe Gomes de Souza, que tinha enviado à Justiça os documentos a respeito da morte de Fernando, alegou ao Fantástico que foi usado na suposta fraude e que registrou boletim de ocorrência.
A nova defesa do falso médico considera injusta e desproporcional a acusação de homicídio feita ao cliente, assim como o pedido de prisão preventiva. E decidiu neste domingo (22) à tarde enviar um vídeo, em que o falso morto e foragido da Justiça, se defende.
"Venho a público esclarecer que estou vivo, que agi sozinho em um momento de desespero. Lembrando que a dona Helena foi atendida por mim, foi internada, passou por mais três médicos e veio a óbito. Eu não aceito por não ter nada no processo que me indique esse crime e desculpa a todos os envolvidos", disse Fernando na gravação (veja vídeo acima).
Fernando não explicou quem foi enterrado na sepultura que estava no nome dele.
Questionado se seu cliente irá se apresentar à polícia, já que tem um mandado de prisão contra ele, o advogado Luiz Antonio Nunes respondeu que ainda não teve retorno de Fernando, mas que a orientação em casos assim é de que alguém procurado se entregue. "Ainda não obtive esse retorno do meu cliente, embora essa seja a orientação da defesa", informou.